Alfenárnia

Eu não queria desfazer a mala
quem sabe conservando ali
as roupas
os cheiros
e os presentes…
os dias passados também permanecessem

Eu não queria desfazer a mala
Revirar os objetos sentidos
a textura dos tecidos
em que trocamos
tanto abraço
talvez me surte
de saudade

Eu não queria desfazer a mala
olhar tudo o que não coube
relembrar tudo o que versei e soube
me calar diante a água caída

Eu não queria desfazer a mala
Sempre chovo
trovoo
relampejo clicks de memórias
e me desmancho
em tempestade que derruba árvores
e certezas

Eu não queria desfazer a mala
Queria sair sol
de girassol
da cor
do meu cabelo
no meu vestido azul…

Aqui dentro tá tudo usado
vivido
tênis pisado de chão amanhecido
vestido sujo de comida feita as 5 da tarde
saia de barra encardida pq andei descalça
short marcado porque sentava em qualquer lugar
praquela prosa boa
pra roda de cantoria
pros cantos de compor vida e beijo longo
e filme as 4 da manhã

Eu não queria desfazer a mala
posso pegá-la e voltar pra nossa Nárnia
E lavamos tudo juntos

Ou não.

Perto de quem me ama assim
ando nua
até de mim…

– não sei lidar.

Marília Rossi

image

todavia.

image

Lida encontrada na página no livre no vôo no salto pulo puro mar sobre searas suiciclos de escuta sem pontuação porque é de perder o fôlego o senso e a noção de estar entre tantos quando a palavra primeiro nos acha em pétalas e patuás que pega e nos leva leve desvenda sem títulos estreia de espanto

#reticências

respira.
.imersa nas vias todas de Michele Santos in Sarau Sobrenome Liberdade, foto da Alessa Melo.

Marília Rossi

a vida se repete…

image

Hoje a rota da Terra diz que é verão no calendário do hemisfério sul, meu norte. Eu mal dormi essa noite e faz calor sempre aqui dentro. Esse ano, nas outras estações, chegaram trens cheios. Choveu pouco. Quase ninguém desceu e eu chego aqui com as pernas cansadas de me equilibrar entre os passageiros. Floriô entre as curvas, transvi o inverno pela janela, ligeiro. As pessoas se espremem perto das portas naquela ansiedade quando se abrem. Passam feito formigas nas catracas do relógio. Ah o tempo…
“Cuidado com o espaço entre o vagão e a plataforma”. Às vezes há um abismo. A próxima estação é a nossa. Gosto da cor do céu do outono.

Marília Rossi

Foto: projeto txturbano

das linhas achadas

fugi da goteira
da chuva
no teto (baixo)

e do senso

me aninhando
feito tiro no escuro
em campo aberto
na asa
de um coração imenso

sarau
nos sarava histórias
no andar de cima
violino piava
batuque ecoava
nós imersos
nos risos
da nossa própria rima

tatuado no peito
o laço
dado em vento rosa

três tempos
tanta poesia
quanto o acaso diria

em poema prosa…

Marília Rossi

image

Estar sozinha também é um lugar…

Um canto do mundo sem mapa

Um banco de praça no peito

A cama esperando, a tarde

A casa vazia com a Elza no rádio

A escrivaninha bagunçada

O quintal com o sol na beira do muro de manhã

A rua cheia de sábado a tarde

O domingo na pista de corrida

O rio cortando a cidade

O dedo da estátua do Cristo no alto da serra

O ponto de ônibus em dia de chuva

O canteiro no rodapé do muro

O meio fio da calçada

A latitude do triângulo das bermudas

As coordenadas para a viagem dos sonhos

A pontinha de terra das Ilhas Maldivas

A bota sem par da cartografia da Itália

A nuca encostada no alto da pirâmide

O caderno na grama

A caneta nos dedos

Cada ponto que o pneu do ônibus encosta no chão da estrada

A janela do carro

A bandeira fincada na lua em 69

O Woodstock dançando no meu pulso

O pórtico na entrada da cidade

A mensagem de boa viagem na saída da cidade

O farol na praia – e nos meus olhos

O porto – do navio e das minhas mãos

O mirante – em que me atiro

 

Estar sozinha

é um lugar

MEU.

 

Marília Rossi

IMG_2326

Foto: Paula Versiani

é mútua?

blog

Antes eu era vontade:

intenção oculta

força interna

timidez de desejo

Como quem espia pela fresta da porta

ou suspira

E de acúmulo de pensar e sentir

hoje quero:

direta e real

à flor da pele

plena em tato

expressa e intensa

em movimento

chegada intempestiva em tempestade

anseio de forma direta de ter não tendo

degustar não engolindo

abraçar sem sufocar

realizar ainda sonhando

De querências sou feita

enquanto me alimento de volições

Coragem!

(Pela inspiração, obrigada, Ana Terra e Helena Wakim Moreno ❤ )

Marília Rossi

fusão

gosto
quando me mira assim
de canto
com a curva dos cílios
os olhos em arco
atrás das lentes
sorrindo
me desconcertando
me lendo até os ossos
enquanto confesso
meu passado torto
e o presente inegável
que é estar atada às mãos
e solta a alma
para além da revolução

gosto
quando me procura
com seu par farol
e pousa a mão ao rosto
apoiando o ouvir
à atenção do que me sai

é tipo um trem rápido que passa
e leva passageiros olhando a janela

gosto
quando abaixa o tom
quando silencia
e assimila a frequência
do silêncio bonito
entre

há tanto mais…

gosto
quando encara
e eu quase não sustento
tua força
e desvio
por tremer
por temer
por ter-me
nua
ainda vestida
despida
ainda encontrada
tua
ainda tão minha

– eu não tento disfarçar

Marília Rossi

image

dos ventos

Esse jeito manso
De gostar de degustar
De novo
Sempre
E mais uma vez
O sabor dos dias passados

Rever as cenas
Através da lente memória
Da foto cheiro
Do tato cor

Escrever
Letra amiúde
Cada vivência

Enganar o tempo
Pra viver de novo
Só pela delícia
De estar inteira
Em cada pedaço
Sentido

Não é que seja muito…

É que tudo pra mim
É demais!

– sobre/viver intensa

Marília Rossi

image

peito aberto

image

Menina miúda
Seio que cabe na mão em concha
Corpo pérola
Dentro da tua ostra abraço
Enrola o senso
No cabelo cacho
Pé florido
De jardim suspenso
Oceano
Faz-se Mar
Azul
Maré
Estrela do fundo
Denso
Brilha universo inteiro
Na onda
Do olho

Imenso!

– que haja luz

Marília Rossi

Arte: Katerine Sannini

ascendente

Não sou de âncoras
Meu signo é água imensa
Em volta
E prefere navegar leveza
Do que pesar fundo

Sem estabilidade ou segurança,
Tô mais pras tempestades tropicais
Do que pra porto ou navegação em calmaria

Preciso de derivas pra mergulhar

Boie comigo na minha superfície
Nade fundo
Aqui não há nada raso
Mas não me segure:
A única corrente que aceito
É a do movimento dos oceanos

Marília Rossi

image